sexta-feira, 27 de junho de 2008

MULTIPLICAÇÃO, OU DIVISÃO, DOS PÃES?

“Tomando ele os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao céu, os abençoou; e, partindo os pães, deu-os aos discípulos para que os distribuíssem; e por todos repartiu também os dois peixes” (Marcos 6:41).

Embora os enunciados colocados sobre os textos que relatam este episódio e o costume popular digam que este milagre consista de uma multiplicação, o texto bíblico afirma uma divisão. Lembre-se de que os enunciados foram colados apenas para facilitar o manuseio da Bíblia, no entanto, não é parte integrante da mesma, não consta nos originais.

É o fascínio pelo sobrenatural que tem induzido gerações a crerem no que houver de mais sensacional possível, ainda que impossível seja, a despeito da razão e a sensatez. Assim propaga-se o sempre crescente número de crendices e religiões, bem como as interpretações mais mirabolantes e estúpidas que se faz das palavras sérias e divinamente inspiradas das Escrituras Sagradas.

Tão claro quanto o que de mais claro pode haver, diz a Bíblia que Jesus repartiu, não multiplicou. Alguém perguntaria: Qual o milagre disso? E eu digo: O milagre está no poder da influência que tem um gesto. Ora, se um garoto pôde ter cinco pães e dois peixes para dispor diante daquela multidão, é estupidez pensar que, numa multidão que, possivelmente, ultrapassava vinte mil pessoas, ninguém mais tivesse o que compartilhar. Assim o gesto de Cristo, dando graças por tão pouco e repartindo o tão pouco que tinha a tanta gente, desencadeou o maior milagre que aquela gente poderia não só presenciar, mas também viver, o milagre do partilhar. E todos os que retinham algum alimento consigo, um após outro, começaram a partilhar também, movidos pelo espírito cristão.

Digo que desta forma este foi o maior milagre, porque me parece mais fácil acontecer o milagre quando tudo depende exclusivamente de Deus, sem interferência humana. Em outras palavras, seria mais fácil para Jesus transformar pedras em pães do que convencer a todos que tinham pouco ou muito a repartirem com quem nada tinham. Afinal, todos aplaudem as ações quando estas não envolvem esforços mútuos e um preço a pagar por parte de cada um.

Todos querem que o presidente resolva os problemas dos menores abandonados, mas pouquíssimos se dispõem a adotar um destes pequeninos. Todos anseiam e necessitam de um ar mais puro, mas poucos se preocupam com a poluição causada por seus carros, motos, fábricas, queimadas, etc. Todos esperam que os órgãos ambientais façam algo para salvar o meio ambiente, mas quase ninguém pensa na natureza quando o lucro está em jogo. Da mesma forma, todos esperam um milagre de multiplicação vindo dos céus para que a fome acabe, para que não haja mais miséria, entretanto, não querem ver que o milagre da tal multiplicação só acontece por meio da liberalidade e integração de todos neste partir do pão.


“Todos comeram e se fartaram; e ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe” (Marcos 6:42,43).

É interessante notar que se o milagre fosse realmente de multiplicação, quando a última pessoa tivesse sido servida, tal multiplicação cessaria. Foi assim que se deu no relato de 2 Reis capítulo 4, quando foi enchida todas as vasilhas, imediatamente parou de correr o azeite. Entretanto, neste episódio, todos se fartaram e ainda assim sobrou. Enquanto no episódio do azeite a multiplicação ocorreu na medida certa, no caso dos pães a medida foi muito além do necessário.

É bem possível que tenhamos pedido o milagre errado a Deus. Pedimos que Ele desça sua provisão, diretamente dos céus para os carentes, quando na verdade tal provisão já desceu e está exatamente no que temos em mãos. O milagre que necessitamos é o aprender a partilhar. Isso mudaria radicalmente nosso bairro, nossa cidade, o Brasil e o mundo. Tal milagre não proporcionaria apenas o suprimento das necessidades de cada um, mas, com toda certeza, todos se fartariam e ainda sobraria abundantemente.


“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai” (João 14:12).

Tais palavras de Jesus são verdadeiras e certeiras. Todos os milagres de Jesus foram repetidos por seus primeiros discípulos e repetidos periodicamente na história da igreja até aos dias de hoje. Mas curiosamente, seus discípulos não repetiram a multiplicação dos pães. Terá sido uma falha dos discípulos, ou um engano do Mestre? Nem um, nem outro. Afinal, os discípulos não só fizeram aquela mesma obra, como a fizeram maior ainda. Você já percebeu que enquanto Cristo promoveu a comunhão de pães e peixes, os apóstolos realizaram não só a comunhão dos pães, mas de todos os bens? Constatamos isso, no livro de Atos dos Apóstolos, ao ver que todos tinham tudo em comum e ninguém tinha falta de nada.

Não defendo que se implante hoje o mesmo sistema econômico implantado na igreja daquele tempo. Mas defendo a responsabilidade social que deve ser assumida pela igreja em geral. Que ninguém que se diga cristão possa viver indiferente frente às injustiças; que ninguém se sinta realizado enquanto milhares vivem em baixo de pontes ou barracos em condições sub-humanas; que ninguém se sinta confortável sabendo que tantos morrem de frio; que ninguém se sinta satisfeito enquanto muitos morrem de fome. Que nosso verdadeiro conforto, realização e satisfação sejam realmente plenos no conforto, na realização e na satisfação do próximo. Que ninguém rogue a Deus pelo fim da fome, sem antes abrir a mente, o coração e as mãos em auxílio ao próximo. Quando assim for, estaremos prestes a fazer, de fato, a obra que Jesus fez, e a faremos maior ainda.


Rev. Julio Fernandes