sábado, 10 de novembro de 2007

O REINO DE DEUS

UM GRÃO DE MOSTARDA

“A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? É como um grão de mostarda, que, quando semeado, é a menor de todas as sementes sobre a terra; mas, uma vez semeada, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças e deita grandes ramos, a ponto de as aves do céu poderem aninhar-se à sua sombra” (Marcos 4:30-32).

A comparação do Reino de Deus com uma semente é demasiadamente apropriada. Pois a manifestação do Reino está intrinsecamente ligada a Palavra de Deus, que é a semente. Um não subsiste sem o outro.

A princípio, a comparação do Reino a uma semente de mostarda parece ser antagônica, uma vez que não há pequenez alguma nessa semente-Reino-Palavra-de-Deus. Muito pelo contrário, por toda a Bíblia a Palavra e o Reino de Cristo são exaltados sobremaneira.

A mensagem do Reino se assemelha a semente de mostarda não no que concerne ao seu tamanho, mas na importância com que um mundo corrompido é capaz de vê-la. Pois o Reino de Deus anda no sentido contrário ao que anda os interesses do mundo, fazendo parecer loucura, utopia, algo impraticável ou sem importância.

Enquanto o mundo diz “só vou gostar de quem gosta de mim”, o evangelho do Reino diz “amai os vossos inimigos”; enquanto o mundo prega o capitalismo selvagem, o Evangelho do Reino propõe a liberalidade em dar; enquanto o mundo diz “O mundo é dos espertos” o evangelho do Reino diz “os mansos herdarão a terra”; enquanto o mundo ensina meios de alto-projeção, a mensagem do Reino é: “quem se humilha será exaltado”; o mundo ensina que o menor deve servir o maior e na briga pelo maior posto quem pode mais chora menos, já na hierarquia do Evangelho do Reino o maior é quem serve o menor e todos são chamados a servir o próximo e considera-lo superior a si próprio.

Em palestras motivacionais de empresas ensina-se que seu nome deve constar apenas nas agendas de pessoas que são interessantes pra você, que possam lhe ser úteis. Com certeza isso poderá lhe render bons negócios e lhe proporcionar grandes lucros. No entanto, o Reino de Deus caminha em sentido oposto, pois sua proposta não se dá em tornar-lhe rico (se essa for a proposta que você tem ouvido de seu líder espiritual, você está sendo enganado), nem em fazer-lhe estar bem servido de contatos interessantes.

A proposta do Evangelho do Reino é de que seu nome e seu número de telefone estejam – não nas agendas caras de figurões importantes, mas – nos pedaços de papel amarrotado nos bolsos de miseráveis e carentes que de fato necessitam de você. Que você esteja disponível quando este lhe chamar, para que de fato você tenha alguma utilidade nesta vida.

Você até pode servir a “superiores”, mas “superiores” nunca se consideram necessitados dos serviços de um “inferior” e assim fazem parecer que os mais ilustres serviços pareçam verdadeiras inutilidades. No entanto, sirva os carentes e verás quão útil te sentirás.

O Evangelho do Reino é comparado a uma semente de mostarda porque não é vistoso aos olhos do mundo, não é atraente para o ganancioso, nem interessante para quem busca satisfazer unicamente seus desejos pessoais. O Evangelho do Reino é comparado a uma semente tão pequena porque anda na contramão de um sistema capitalista, tornando seus valores quase invisíveis aos “cegos do castelo”.


UM REINO QUE CRESCE

Ao contrário do que muitos afirmam, nós não estamos caminhando para o caos. Muito pelo contrário, estamos saindo dele. Isso porque o Reino que pregamos é uma mensagem incomparavelmente poderosa que não foi posta na terra como uma árvore a fim de terminar como um grão de mostarda, mas sim foi posta como um pequeno grão para tornar-se a maior de todas as hortaliças, deitando seus grandes ramos sobre a face da terra.

A alusão a uma grande árvore da qual seus ramos servem de casa para os pássaros, lembra a mesma metáfora na qual Daniel 4:21 referia-se ao domínio mundial de Nabucodonosor. Não dá para deixar de conotar isso ao fato de que o reino de Jesus Cristo foi iniciado, sobre todo o universo, desde sua ascensão ao céu e continuará até que ponha todos os seus inimigos debaixo de seus pés (leia Salmo 110:1 e Atos 2:34,35).

Alguém poderia objetar, afirmando que o mundo vai de mal a pior. Isso, no entanto, não é bem verdade e mesmo que fosse nossa fé não é respaldada em circunstância, mas sim nas promessas da Sagrada Escritura. Essas promessas dizem respeito a uma igreja vitoriosa, chamada para ser Reino e Sacerdócio, cumprindo o papel de ser sal da terra e luz do mundo.

Dizer que o mundo está cada vez pior é se esquecer do “nosso passado de absurdos gloriosos”, quando tínhamos em alta estima o preconceito racial, apoiávamos a escravatura (até mesmo a igreja “primitiva” a achava normal), destruíamos o planeta sem qualquer consciência ambiental. E ainda mais, até bem pouco tempo o analfabetismo, a desnutrição e a mortalidade infantil eram tratados como algo normal.

Não estou dizendo com isso que o mundo de hoje é um “mar de rosas”, mas sim que o evangelho é o poder para transformá-lo e a missão da igreja é anunciar esse evangelho transformador. Os ramos desse Reino se estendem sobre a terra trazendo saúde, paz, justiça social, igualdade, liberdade, enfim “dias melhores” para a humanidade. Sob a sombra dessa árvore encontramos abrigo. Afinal “o melhor de Deus ainda está por vir”.

Muitas foram as contribuições do evangelho de Cristo para a humanidade. Muitas mais serão se o povo que se chama pelo nome de Cristo tiver a consciência de quão poderosa é a fé que professam.

“Só eu conheço os planos que tenho para vocês: prosperidade e não desgraça e um futuro cheio de esperança, diz o Senhor” (Jeremias 29:11).

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

BÊNÇÃO POR MENTIRA?

O que já faz parte do cotidiano popular tem, também, ganhado o contexto diário de quem busca respaldar sua vida pela Palavra de Deus. Ou seja, muita gente tem tentado justificar suas “mentirinhas bem intencionadas” usando de textos bíblicos, fazendo má interpretação dos mesmos.

O texto predileto de quem quer justificar suas mentiras é o de Gênesis 27, onde entendem que a mentira tenha sido o meio pelo qual Jacó pôde se apropriar da promessa de Deus para sua vida. Mas será realmente possível que uma bênção venha por meio de uma mentira? Deus seria cúmplice de uma mentira? Obviamente, não.

Passemos então a estudar alguns pontos importantes deste episódio para que tenhamos a compreensão do que, de fato, a mentira pode produzir.


O Erro de Isaque

Em Gênesis 25:23, Rebeca recebera de Deus a promessa de que, dos gêmeos que ela estava para dar a luz, nasceriam duas grandes nações e que o mais velho serviria o mais novo. O fato é que possivelmente Isaque, seu esposo, desconhecia a palavra que Deus falara, ou se conhecia, não a considerou na hora de decidir a quem entregar a primazia de sua bênção.

Se Isaque não sabia a respeito do que Deus havia falado a sua esposa, isso demonstra um problema de relação conjugal, a falta de diálogo. De fato, muitos transtornos conjugais ou mesmo sociais seriam evitados se houvesse mais diálogo.

Se Isaque sabia do que Deus havia dito a Rebeca, então ele ignorou a voz de Deus em prol de atender o desejo de seu coração movido pela circunstância. Em Gênesis 27:4, Isaque pediu a Esaú, seu filho mais velho, que lhe trouxesse um guisado conforme ele gostava, para que lhe abençoasse antes de morrer. Nesse ponto eu aprendo algo que certamente Isaque sabia: A bênção com que podemos abençoar alguém não acontece da boca pra fora, é preciso sair da alma. Isaque julgou que se o filho lhe alegrasse o coração com uma gostosa refeição, sua alma estaria mais propensa a abençoá-lo. Quanto a isso Isaque estava certo. O erro foi ter condicionado a bênção e sujeitado o seu coração a uma circunstância de cunho material e não a Palavra de Deus.

Muitas são as vezes em que cometemos o mesmo erro de Isaque. Baseamos nossas decisões com vistas ao bem estar próprio, em detrimento do bem comum; ao que gostamos, em detrimento ao que é necessário; ao resultado imediato, em detrimento ao que é correto; em outras palavras, andamos segundo nosso próprio conselho, ao invés de seguirmos o conselho de Deus.


O Erro de Rebeca

Rebeca não esperou. Precisamos compreender o que significa esperança. Muitos têm renegado esse valioso fruto espiritual por acharem que a ação de esperar não se trata de ação e sim de inércia. Quão enganados estão! Esperar em Deus significa agir sem trair seus princípios, sem tomar atalhos, significa trabalhar sem trapacear, confiando que seus objetivos serão conquistados honestamente. Esperar em Deus é buscar conquistar o que se deseja sem usar de mentiras, pois de outra forma, melhor renegar tal conquista.

A Voz do Senhor ecoava no coração de Rebeca, tão intensamente, que, em sua convicção, ela não pensou duas vezes em tomar suas próprias providências, seu próprio meio, para que aquela palavra se cumprisse. Ora, não poderia ela ter usado essa mesma convicção para esperar no Senhor, confiando que Ele proveria os seus próprios meios para chegar aos fins que Ele mesmo havia determinado?

A falta de confiança é um outro sério fator de conflitos. Ela faz com que percamos a esperança e nessa hora agimos por impulso e tomamos decisões das quais geralmente nos arrependemos.


O Erro de Jacó

Gênesis 27:11-13, diz que Jacó temia ser amaldiçoado, caso seu pai descobrisse toda farsa. O medo de ser descoberto era a única coisa que continha Jacó, pois seu desejo já o havia cegado em relação ao meio inescrupuloso do qual escolhera para agir. Jacó tinha medo de ser descoberto por seu pai, mas seu coração corrompido não percebia seu pecado, nem que de Deus nada fica encoberto.

Parece-me que ainda hoje continuamos a cair no mesmo erro! É como se não houvesse o que temer, conquanto tudo fique encoberto. O sentimento de impunidade encoraja o crime, a fraude, a corrupção, etc. Além disso, a morte espiritual do homem o torna incapaz de perceber ou pensar que ainda que jamais tivéssemos que, um dia, prestar contas, cabe-nos a consciência de que somos feitos para servir e contribuir para um mundo onde a verdade, a honestidade e a paz seja o legado perpétuo.


Um Grande Engano!

Jacó, ao contrário do que muitos pensam, não foi abençoado por meio de sua mentira. Ao contrário! Por sua mentira ele fugiu de seu irmão por vinte anos, foi enganado diversas vezes, e quando voltou, voltou oferecendo seus servos, seus filhos e a si próprio como escravos a seu irmão, implorando o perdão de Esaú. Só não se tornou escravo porque Esaú o perdoou. A mentira de Jacó lhe rendeu vinte anos de angústia e sofrimentos pelos quais ele aprendeu as conseqüências da mentira.

Se Jacó fora abençoado no ato da mentira a seu pai, por que precisou, depois, lutar com Deus para ser abençoado? A benção de Jacó não veio de sua mentira, mas de Deus que mudou o seu nome de Jacó, que significava “enganador, mentiroso”, para Israel, que quer dizer: “o que governa com Deus”. Saibamos também nós, governarmos com Deus, tomarmos nossas decisões em Deus, que é a verdade, e nEle não há mentira.

“Eis as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo, executai juízo nas vossas portas, segundo a verdade, em favor da paz” (Zacarias 8:16).


Pr. Julio Zamparetti Fernandes

domingo, 7 de outubro de 2007

DESTRUIÇÃO OU RESTAURAÇÃO?

Nos últimos anos, em muitas igrejas, tem-se dado forte ênfase à anunciação da destruição, ou fim do mundo. Teologias complexas têm sido fundamentadas sobre este artifício com intuito de amedrontar as pessoas a fim de que estas venham a aderir sua igreja. De fato, muitas pessoas temerosas da condenação eterna subseqüente a tal destruição, têm se agarrado aos ensinamentos religiosos na ânsia de salvar suas próprias almas por meio de obras terrenas. Isso parece bom sob o ponto de vista de que muitos procuram melhorar suas atitudes. Todavia, será que o medo do fim é a motivação certa para levar o indivíduo a uma mudança?

Não é a toa que tem se desenvolvido no meio popular a crença de que Deus é um pai austero e inacessível. Pois esse tem sido o subterfúgio pelo qual a religião tem dominado o povo e mantido-o sob seu poder. Entretanto, não é este o evangelho que Cristo nos ensinou.

Muitos se apegam ao texto de Mateus 24 para sugerir que Cristo estivesse falando a respeito do fim do mundo. Esses, por interesse de defender seus conceitos pré-estabelecidos, tolhem a verdade e destorcem os fatos claros detalhados por Jesus.

Em primeiro lugar, em Mateus 24:34 Jesus afirma que todos os acontecimentos por Ele descritos aconteceriam ainda naquela geração. Ou seja, Jesus afirmou que dentre aqueles de sua geração, haveria quem ainda estivesse vivo quando tudo o que Ele descreveu acontecesse. Pelo que, o cumprimento das profecias de Cristo está constatado, claramente, nos relatos de historiadores como Flávio Joséfo, Eusébio e Tácito, quando descrevem os acontecimentos anteriores à queda de Jerusalém, no ano 70 d.C., quando muitos dos que ouviram Jesus falar, ainda estavam vivos.
Em segundo lugar, o termo original, traduzido por mundo no verso 3, é aiõn, que significa “era, idade, período de tempo”. Portanto, a pergunta dos discípulos tratava-se do fim da era judaica, da destruição de Jerusalém e não da destruição ou fim do mundo. Assim, a resposta de Jesus era concernente à pergunta dos discípulos, ou seja, o que Jesus predisse foi o fim de Israel, o fim da antiga aliança e o surgimento da era da redenção pela graça de Cristo.

“Eis que faço novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5). Temos com Deus uma nova vida, uma nova aliança, uma aliança eterna, um novo templo, perpétuo, feito não por mãos humanas, e infinitamente mais glorioso que o antigo. A comissão de Cristo para a sua igreja é anunciar as boas novas. Boas novas consiste em regeneração, restauração, renovação, liberdade e vida, abrangendo os aspectos espirituais, familiares, culturais, ambientais e sociais. Nosso compromisso com Cristo deve ser respaldado no amor de Deus e amor a Deus, um compromisso caracterizado na caridade. A missão da igreja é promover o reino de Cristo sobre a terra, terra sobre a qual Deus O fez herdeiro, e a nós fez co-herdeiros. A igreja não pode ser displicente quanto ao cuidado do planeta, sob argumento de que tudo esteja enfadado a destruição, pois tal argumento é falso e sem respaldo bíblico.

Me atrevo a crer no amanhã
Futuro há pra criação
Tão alto e profundo é o amor que opera pela fé
(Canção de Bispo Hermes Fernandes)

Pr. Julio Zamparetti Fernandes

sábado, 29 de setembro de 2007

Por que uma pessoa já nasce sofrendo?

Muitas pessoas têm quisto justificar essa questão. No afã de formular tal justificativa, se perdem na consideração mais simples e verdadeira a se fazer: Deus é justo e justificador. Deus não precisa de alguém que advogue por Ele, pois Ele é o justo juiz e Ele é quem advoga por nós, porque nós, sim, necessitamos de um bom, aliás, perfeito advogado. Jamais poderíamos advogar em favor de quem estamos longe de compreender suas razões. No entanto, em face à necessidade carnal de justificarmos Deus ante os acontecimentos, as fatalidades, os acidentes, as dificuldades, criamos conceitos humanos de causa e efeito para de alguma forma convencermos a nós mesmos de que Deus foi justo quanto aquilo que no íntimo consideramos uma verdadeira injustiça. Em outras palavras, queremos enquadrar a justiça divina aos nossos padrões e conceitos. A isso já rebatia o apóstolo Paulo: "Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!" (Romanos 11:33b)

Nessas horas, os espíritas justificam o efeito alegando que sua causa é o carma, os evangélicos justificam o mesmo efeito através da teoria de que o pecado é causa. Aliás, diga-se de passagem, tem-se constituído no meio das igrejas um fenômeno que podemos chamar de “carma evangélico”, em que a única diferença deste para aquele dos espíritas, é que não se investiga “outras vidas” para “diagnosticar” as causas dos efeitos indesejados.

Entretanto, em certo aspecto nem sequer essa diferença existe, quando se busca a causa do sofrimento de um cristão regenerado, nos atos que ele realizou antes de ter recebido o conhecimento de Cristo. Afinal, se em Cristo nascemos de novo, somos feitos novas criaturas e todas as coisas se fazem novas conforme as Escrituras. Quando um crente busca a causa de seu sofrimento espiritual no seu passado, esta negando o novo nascimento, ou se crê que nasceu de novo, está buscando a causa em outra vida – aquela vida que foi sepultada em Cristo – e assim renegam o sacrifício de Cristo e já não há mais diferença entre os dois carmas.

De qualquer maneira, o que as pessoas não se dão conta é que elas estão fazendo a mais cruel forma de discriminação. Pois essa discriminação é feita, vergonhosamente, em nome da justiça, em nome de Deus. Afinal, “Fulano sofre para pagar seus erros de vidas passadas”, “Sicrano está doente porque pecou”, “Beltrano nasceu assim porque foi amaldiçoado por seu pai, quando ainda estava no ventre de sua mãe”. Como é fácil julgar os outros e renegá-los ao posto de merecedores de seu sofrimento!

O que mais me espanta nessa teologia doente, é que os que não sofrem – pois supostamente são dignos de não passarem tal tormento – ajudam os sofredores para que esses não sofram tanto, impedindo-os assim de pagarem mais rápido todos os seus pecados. E a razão porque fazem isso é crerem que por suas obras ganharão o céu, ou uma reencarnação melhor, ou passarão menos tempo no purgatório.

Se seguissemos essa linha de pensamento, que exclui a obra expiatória de Cristo, concluiríamos que quanto mais eu ajudasse materialmente o necessitado, mais o atrapalharia espiritualmente, uma vez que seu sofrimento físico teria o poder de redimir sua alma. Todavia, se eu não o ajudasse, eu é que seria prejudicado espiritualmente. Então, ajudaria materialmente o próximo, ainda que isso o prejudicasse espiritualmente, para que meu espírito fosse beneficiado. Ora, ora! Se fosse assim, a quem eu estarei dedicando minha caridade? Ao próximo, ou a mim? Seria isso caridade?

Em contraponto a tudo isso, o verdadeiro cristianismo prega que somos todos iguais. Mesmo que condições culturais, familiares, sociais, raciais e genéticas tornem-nos mais ricos, mais pobres, mais saudáveis, mais doentes, mais claros ou escuros, ainda assim somos todos iguais. Deus não faz acepção de pessoas e todos nós temos um propósito perante o criador.

Leis de causa e efeito podem funcionar muito bem na física, na química, na matemática, mas o soberano Deus é amor e o amor nunca é lógico, e ainda que fosse, não seria a lógica tal como a conceituamos. O amor rompe toda relação de causa e efeito, pois ele é causa e efeito em si mesmo. Assim, a razão do amor de Deus sobre nossas vidas é o próprio amor de Deus, "e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras" (Efésios 2:8).

Somente nossa debilidade de amar é que estabelece causas para o “amor”. Todos nós queremos amar, mas será que sabemos de fato o que é o amor? Ah! Claro que sim! A menina tem toda certeza de que realmente ama o Brad Pitt, o rapaz sabe que poderia dar todo amor do mundo a garota do pôster, todos amam irrestritamente o amigo cheio da grana que sempre quebra o galho na hora do aperto, o empresário ama o artista em quem está investindo e logo lhe dará um retorno milionário. Mas ao que me parece ninguém sabe amar aqueles que não trazem qualquer perspectiva de retorno aos anseios instintivos da ambição humana. Que pena, pois era exatamente estes que precisavam ser amados, são exatamente estes que nós precisávamos amar, pois o verdadeiro amor não espera nada em troca. Maior que a necessidade DELES de serem amados, é a necessidade NOSSA de amá-los.

Amar a quem é perfeito, sadio, lindo, inteligente, simpático, agradável é fácil. Quando o Apóstolo Paulo disse que deveríamos considerar o próximo superior a si próprio, não excluiu destes “próximos” os portadores de deficiência, doentes, nem feios, ou de baixo QI, nem os indesejáveis. É nestes de quem não podemos exigir retorno algum, que podemos exercitar a prática do amor verdadeiro. Sei que estes não são menores que eu, que não pagam por erros cometidos em vidas passadas, mas que, na verdade, são Anjos de Deus, enviados a terra para me ensinar a amar como Cristo me amou.

Aquele que é Deus Santíssimo se fez homem e, como se isso já não fosse suficiente, como homem humilhou a si mesmo fazendo-se maldição, suportando o castigo que somente caberia ao pior dentre os homens. Por mais debilitada que seja a condição de alguém, a diferença entre o tal em relação ao mais privilegiado ser humano não chega a um milésimo da diferença que há entre a mais graduada sabedoria humana em relação ao que pudéssemos qualificar de loucura divina. Ainda assim, Deus nos amou sobremaneira e a despeito de toda nossa debilidade deixou sua glória e deu sua vida em favor de tantos debilitados iguais a mim.

E os “sãos” desta terra, continuarão se achando superiores, mais evoluídos, ou aprenderão que Deus está nos ensinando, através desses anjos, a amar como Ele amou?

Pr. Julio Zamparetti Fernandes

domingo, 9 de setembro de 2007

O Verdadeiro Valor

Quanto vale um velho relógio? Alguns diriam que seu preço está relacionado ao tipo de material usado em sua confecção. Outros afirmam que seu valor depende da marca, fabricante. Outra forma de avaliação se dá pela valorização da beleza artística, nos detalhes do feitio manual. Para os técnicos, a avaliação se dá através do aspecto prático, onde seu valor só se dá nos termos da funcionalidade. Para os românticos, ainda que o mesmo relógio não funcione, seu valor pode ser inestimável, pois tudo depende do aspecto sentimental que o objeto representa para o indivíduo. Para os cultos o valor certamente está também relacionado ao que o objeto representa dentro do contexto histórico. Enquanto isso, há sempre aqueles para quem uma velharia não vale nada.

Se nossa pergunta fosse: Quanto CUSTA esse velho relógio? Neste caso, a resposta seria unânime e bem mais simples, bastaria olhar o preço na etiqueta, caso esse estivesse à venda. Neste sentido, percebe-se que o preço anda no caminho inverso do valor. Enquanto o primeiro está vinculado ao comércio, o segundo está ao apego. No primeiro expressa-se a objetividade, enquanto no segundo a subjetividade. Assim, o que custa uma pechincha pode valer muito, enquanto o caro pode valer nada, ou mesmo o barato pode ser muito caro, ao passo que o gratuito pode ser valioso e o que tem valor não tem preço.

O valor está na importância que damos ao objeto da importância. O valor não está no que o objeto é em si, mas no que representa a outro. Partindo desse pressuposto entendemos que o valor de nossa vida não é vivê-la em si ou para si, mas vivê-la no próximo e para o próximo.

Dizemos que vivemos no próximo, quando o valor do próximo está inserido como valor nosso e assim nos realizamos nas suas realizações, nos felicitamos em sua felicidade, bem como sofremos o seu sofrimento e choramos as suas lágrimas. Vemos então que o valor não está relacionado propriamente ao que uma pessoal faz ao outro, mas sim ao que é e representa ao outro.

Dizemos que vivemos para o próximo, quando o nosso valor está inserido como valor do próximo e assim contribuímos para suas realizações e crescimento pessoais ou coletivos. Dessa forma, compreendemos que o que fazemos, ao contrário do que muitos pensam, tem muito haver com os outros. Nossas atitudes, sejam elas boas ou más, sempre terão repercussão sobre a vida do próximo. A partir disso, surgem entre populares os comentários de que Fulano ou Cicrano é valioso ou vale nada. Para a sociedade esse valor não está representado pelo dinheiro que este possui, mas sim no que ele representa para ela no reflexo de suas atitudes.

Em Jesus Cristo temos o maior exemplo de valor e valorização. Seu exemplo foi o exemplo de quem, em primeiro lugar, viveu no outro de tal forma que disse: “quando a um desses pequeninos o fizerdes, a mim o fizeste”. Também viveu para o próximo de forma que tudo o que fez não fez por si, mas por mim... fez por nós. E não fez por que merecíamos que o fizesse por nós. Fez porque nos amou e porque nos amou valeu tudo o que fez. Logo, se Deus me ama, eu tenho valor. Saiba-se então, que o reflexo de aceitar esse verdadeiro valor é a capacidade de se dispor a amar o próximo como Cristo me amou.

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(João 3:16).

sábado, 8 de setembro de 2007

NOVA JERUSALÉM, UMA CIDADE MURADA.

Por Julio Zamparetti Fernandes
(baseado no livro Cidade dos Sonhos, de Hermes Fernandes)

“Tinha grande e alta muralha, doze portas, e, junto às portas, doze anjos, e, sobre elas, nomes inscritos, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel” (Apocalipse12).


Introdução

Quando se pensa na Nova Jerusalém, imediatamente somos tentados a pensar em uma cidade de um futuro imaterial, na qual entraremos somente após a morte ou mesmo o fim de tudo. O que muitas vezes, a maioria das vezes, não nos damos conta é que a Nova Jerusalém começou a ser construída aqui, nesta terra. Pois é exatamente aqui o lugar onde o Senhor Jesus está levantando seu povo.

O conceito divino de uma cidade, ou nação, não se dá por um território geográfico, mas por um povo. Para Deus, tratar a respeito de Israel, nunca foi contemplar ruas, prédios, casas, terras, fazendas que estivem sobre um determinado território, mas sim, tratar a respeito de seus filhos amados. Assim também, a Nova Jerusalém não se refere a pedras, ouro, prata ou qualquer vil metal, mas sim, ao que há de mais precioso no universo, os valiosos filhos comprados e remidos pelo precioso sangue do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.


Tinha grande e alta muralha

Uma grande prova do que estamos falando é o fato de que a Nova Jerusalém é cercada por muros. Os muros, nos tempos bíblicos, eram construídos para a proteção da cidade. Uma cidade que não fosse envolta de muros altos e fortes era uma cidade vulnerável a qualquer ataque do inimigo. Portanto, a presença de muros ao redor da Nova Jerusalém indica que ela foi construída em tempo de guerra, num lugar onde o ataque do inimigo representasse perigo constante. Logo, não há como considerar que essa cidade tenha sido construída longe de nosso convívio. Não há como conceber que tal cidade tenha o propósito de abrigar os santos em dias vindouros onde todos os inimigos já estiverem vencidos, pois em tal lugar já não precisaremos de muros.

A Nova Jerusalém é com toda certeza a cidade celestial, pois foi o Céu quem a constituiu. Tanto o seu princípio quanto o seu estado eterno está em Cristo. Em outras palavras, Cristo desceu do céu para formar seu corpo na terra e, ao final, leva-lo consigo para estar junto de si por toda eternidade. A igreja é a Nova Jerusalém, pois a cidade santa que João viu não é outra senão a noiva de Cristo, a mesma que o adora e o ama aqui na terra, adornada pelo próprio Senhor.

“Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo” (Apocalipse 21:2).


Sobre as portas os nomes das doze tribos dos filhos de Israel

Temos aqui uma menção incontestável da aliança de Deus com o seu povo. As entradas dessa grande cidade têm a marca da circuncisão. Entendemos assim, que Deus é fiel para cumprir todo seu plano redentor não só sobre os que receberam a Cristo no período da nova aliança, mas também sobre os que, sob a velha aliança, creram em Cristo, o Cordeiro de Deus que viria remi-los de todo pecado.

Os doze portões representam a multiforme graça de Cristo, a porta que se abre a alcançar e salvar todas as tribos, povos, raças, culturas e línguas. Não há outra forma de adentrar esses portões senão pela circuncisão de Cristo. Não há como chegar a esses portões senão pelo caminho que se chama Jesus.


O Senhor é a nossa proteção

“Pois eu lhe serei, diz o SENHOR, um muro de fogo em redor e eu mesmo serei, no meio dela, a sua glória” (Zacarias 2:5).

Deus é a glória e segurança de seu povo. Não há lugar mais seguro na terra do que estar na presença do Senhor, envolto por seus muros de fogo, cercado por seu amor e acolhido em seus ternos braços. Através do profeta, Ele mesmo se denomina como um muro ao redor de seu povo. Não obstante, o salmista Davi o chama de protetor, refúgio, lugar seguro, Deus da minha salvação.

“...Temos uma cidade forte; Deus lhe põe a salvação por muros e lugar seguro” (Isaias 26:1).

Em um maravilhoso aposto, Deus que em Zacarias diz ser o muro, em Isaias diz que a salvação nos foi posta por muros e lugar seguro. Que bela harmonia! Podemos dizer, então, que nossa proteção é o Senhor, o Senhor é a nossa salvação e Fora dEle não há quem seja salvo. Quem habita dentro desses muros pode descansar a sombra do Deus todo poderoso; quem entregou o cuidado de sua vida ao Senhor pode caminhar confiantemente, pois o Senhor zela pelos que são seus. Nessa mesma perspectiva, já falava João em sua primeira epístola, capítulo cinco, verso dezoito: "Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno não lhe toca".


Medidas do Muro

“Aquele que falava comigo tinha por medida uma vara de ouro para medir a cidade, as suas portas e a sua muralha” (Apocalipse 21:15).

Deus sabe exatamente a medida do muro, das portas e de toda cidade. Portanto, Ele sabe quantas são as pedras preciosas que formam o seu santo edifício, sua santa cidade. Quando Jesus prometeu ir ao céu preparar-nos um lugar, Ele não disse que prepararia casas de sobra, pois Ele sabia quantos lugares deveria preparar. Afinal, Ele tem as medidas da salvação (vide Isaias 26:1).

"O seu comprimento, largura e altura são iguais" (Apocalipse 21:16b).

Os muros da Santa cidade são intransponíveis. A alusão a um muro tão alto quanto a largura e comprimento, significa um muro do qual inimigo algum poderá transpô-lo. Isso nos faz entender que a santa cidade, a Igreja de Cristo, é o lugar mais seguro da terra. A lição aplicada pelo Senhor, nessa visão, é que não há arma alguma de nosso inimigo que possa superar a proteção de Deus, quando habitamos em sua cidade. Por essa razão escreveu Davi: “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo” (Salmos 27:4).

Os muros também são intransponíveis para quem almeja adentra-lo sem ser pela porta que é Cristo. Não há como entrar na Santa Cidade se não for por meio de Jesus. “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14:6). Não existe atalho, nem jeitinho brasileiro, não há subterfúgios, nem qualquer outro caminho. Só Jesus Salva.


Doze Fundamentos

“A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e estavam sobre estes os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. Os fundamentos da muralha da cidade estão adornados de toda espécie de pedras preciosas” (Apocalipse 21:14,19).

A Nova Jerusalém é segura, eterna e muito bem sustentada porque seus fundamentos são sólidos. Ser Nova Jerusalém, ser Igreja de Cristo é ser edificada sobre o “fundamento dos apóstolos, o qual Cristo é a pedra principal” (Ef.2:20). É sobre este fundamento que a Nova Jerusalém é edificada. As tradições das quais constam os ditos de homens consagrados do período pós-apostólico até hoje são úteis para nos auxiliar na compreensão dos textos sagrados, porém seus dizeres não são infalíveis e por isso não nos servem por fundamento doutrinário, “porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Coríntios 3:11). A igreja primitiva "perseverava na doutrina dos apóstolos" (Atos 2:42). Estar ligado a esta igreja é também perseverar na mesma doutrina.

A Nova Jerusalém não tem três, treze ou trinta fundamentos. Como Noiva de Cristo, somos edificados e solidificados sobre doze fundamentos postos sobre Cristo*, a Rocha, fundamento dos doze. Até mesmo o Apóstolo Paulo, quem mais escreveu sobre o assunto, aprendeu dos doze e mesmo depois de ser reconhecido como um apóstolo costumava subir a Jerusalém, onde conferia seu ensinamento junto aos doze.

Assim compreendemos que na Bíblia consta toda revelação e profecia sobre a qual o verdadeiro cristianismo é fundamentado. Por essa razão advertia São Paulo: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. Assim, como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema” (Gálatas 1:8,9).

Vinde todos a Cristo. Rendemo-nos ante sua Palavra e constituamos a Cidade de Deus.

* “Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (I Pedro 2:4,5).

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Religião e Construção da paz

Por Julio Zamparetti Fernandes


RESUMO

Inegavelmente, a religião exerce influência fundamental na construção das relações entre indivíduos e povos. Esse fato pode ser constatado em todas as épocas da história da humanidade. Ela que foi constituída para unir os indivíduos em torno da paz e comunhão, tem sido corriqueiramente alvo de grandes e pequenos conflitos. Em meio a este conturbado cenário, surgem de tempos em tempos líderes que se dispõe a suplantar os obstáculos das diferenças dogmáticas em prol daquilo que é o teor de uma verdadeira mensagem religiosa, desafiando-nos a comungar o que de mais valioso pode haver na religião, constrangendo-nos a pregar e viver a paz e o amor.

Palavras-Chave: Diferença; Caridade; Paz.


1 INTRODUÇÃO

Num mundo tão partidarista e ao mesmo tempo tão libertário quanto ao idealismo e sua multiforme expressão, não é de se admirar que tamanhas diferenças sejam estabelecidas, por imposição ou naturalmente, entre indivíduos, grupos, povos, etnias e religiões. E que maravilha são as diferenças! Ao menos aquelas que naturalmente se moldam por ocasião da busca do bem comum e defesa da vida. Seria muito chato se todos fossem iguais. Tudo seria tão previsível! Tão mono-colorido! Tão robotizado!

Mas afinal, o que tem dado errado? Por que os homens têm tanta dificuldade em aceitar o diferente? Por que desejam tanto a igualdade e em nome da igualdade excluem semelhantes, ao mesmo tempo em que buscam ser diferenciados? Parece que o que se deseja realmente expressa-se assim:
- Sejamos todos iguais... Iguais a mim.
- Tenhamos todos um único caminho... Aquele que eu estabeleci.
- Sonhemos todos juntos... O meu sonho.
- Eu te aceito como tu és... Desde que sejas assim.
- “Seja feita a vossa vontade”... Conquanto vossa vontade seja igual a minha.

Abnegação, alguém sabe o que quer dizer? A resposta seria mais fácil se a pergunta fosse a respeito de metas pessoais, prazer, satisfação, realização, sonhos, projeto de vida. Mas, abnegação... abnegação, realmente está em desuso e, conforme os princípios de Darwin, enfadada a extinção. Tudo porque, quando crianças, os homens acreditam que o universo gira em torno deles. Os pais são seus, a casa, as ruas, a terra e as estrelas são todos seus e feitos para si. Crescem, amadurecem, envelhecem, mas não aprendem. Não aprendem que a vida não tem um fim em si mesma; que o sentido de viver é servir.


2 CONFLITOS RELIGIOSOS

Muitos são, hoje, os seguimentos religiosos existentes no Brasil e no mundo. Tão grande quanto o número de religiões são os seus conflitos, frutos da intolerância, da falta de caridade, do fundamentalismo e de interesse econômicos. Partindo desse pressuposto, percebe-se que, ao contrário do que sugere a etimologia da palavra “religião”, que deriva-se do latin “religare”, a religião, muitas vezes, ao invés de religar, tem sim desligado o indivíduo de seu próximo e de Deus.

No geral, as causas destes confrontos são complexas, envolvendo jogos estratégicos na geopolítica, veladas disputas entre antigas potências coloniais, disputa entre grandes companhias pelo acesso a diamantes, petróleo, gás, urânio ou outros materiais estratégicos, além de razões históricas, econômicas, políticas e sociais, raciais e, cada vez mais, culturais. É inegável que muitos destes conflitos vêm atravessados igualmente por uma vertente religiosa, acionada ao sabor dos interesses em jogo. (BEOZZO, 2003)

No Brasil, ainda que seus conflitos não tomem certas proporções semelhentes as que ocorrem em certos paises da Europa e Oriente médio, ainda assim, podemos sentir os seus reflexos negativos pela falta de cooperação mútua que poderia, realmente, fazer muita diferença para a constituição da paz e do bem estar de nosso povo.


2.1 INTOLERÂNCIA

Considero que mais importante que o acesso à igualdade, que deve ser disponibilizado a todo cidadão, é o direito a ser aceito e respeitado quando se é diferente por opção ou predeterminação geográfica, social, sexual ou racial. Ou seja, antes de se impor sobre um indivíduo, que este seja conforme o padrão estabelecido por determinado grupo, deve-se saber do valor deste determinado indivíduo e sua importância sobre qualquer grupo.

Indivíduos não foram feitos para as religiões, as religiões é que foram feitas para os indivíduos, para ampara-los espiritualmente, conforta-los e acolhe-los sem discriminação. Para a verdadeira religião, não importa que venha a ela apenas os sãos, mas principalmente os enfermos, excluídos e discriminados.

Estamos familiarizados com um Jesus Cristo, Filho eterno de Deus, Senhor do universo, Salvador do mundo, primogênito de toda criação e primeiro ressuscitado entre muitos irmãos. Estes títulos de magnificação ocultam as origens humildes, a trajetória histórica do verdadeiro Jesus que andou entre o povo, perambulando pelos vilarejos da Galiléia e que morreu miseravelmente fora da cidade de Jerusalém (BOFF, 1978 p. 21).


2.2 FALTA DE CARIDADE

A grande contradição deste tema se dá, justamente, ao tratarmos da falta de caridade entre aqueles que subsistem através da propagação da caridade. Ou seja, dependem do discurso da caridade para a sua subsistência, porém efetivamente não a buscam na convivência. A caridade é o amor que leva alguém a realizar boas obras sem esperar absolutamente nada em troca. Quando tratamos de caridade estamos falando de um amor verdadeiro, ativo ainda que não correspondido. Todas as religiões subsistem-se dessa mensagem. Vive-la, não seria a solução para todos os conflitos?

O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.O amor jamais acaba. (BÍBLIA, N.T. 1 Coríntios 13:4-8a)


2.3 FUNDAMENTALISMO

O Fundamentalismo religioso está presente em todas as religiões. Seus dogmas estão, para seus adéptos, acima de qualquer ciência, lógica, bom censo e até mesmo acima da própria vida humana. Apesar de que quando nos referimos ao fundamentalismo logo pensamos em grupos extremistas, o fundamentalismo não se restrinje a estes. Muitas seitas religiosas ou mesmo indivíduos, cada qual em sua devida dimensão, também vivem o fundamentalismo quando discriminam outro indivíduo ou grupo por não crerem ou pensarem conforme seus fundamentos.


2.4 INTERESSES ECONÔMICOS

Outro fator de conflito em que a religião está ataviada é a questão econômica. Existe muita coisa em jogo quando o assunto é a economia religiosa. Nele está envolvido toda uma questão de força política e poderio econômico do qual ninguém se dipõe a abrir mão. Assuntos de cunho relativo a fé são discutidos e dirigidos sob o prisma político-monetário, maquiavelicamente, onde o que realmente interessa é a manutenção do poder. É em nome desse poder que alianças são feitas ou desfeitas e o amigo de hoje torna-se inimigo, amanhã.


3 BEM-AVENTURADOS OS CONSTRUTORES DA PAZ

No conturbado cenário das últimas décadas, há um claro reconhecimento, por parte da sociedade internacional, de que homens e mulheres de fé, pertencentes a diferentes credos e comunidades religiosas, vêm dando uma importante contribuição para os esforços em favor da justiça e da paz mundial.

Em 1930, o arcebispo luterano de Upsala na Suécia, Nathan Söderblom (1886-1931), primaz da igreja local recebeu o prêmio Nobel da Paz por suas iniciativas em favor da superação dos conflitos internacionais, a partir da cooperação e da busca da reconciliação e da unidade entre as igrejas cristãs. Foi Söderblom quem convocou em Estocolomo, em 1925, a primeira conferência internacional do movimento “Life and Work”, ”Vida e Ação” que se fundiu depois com o movimento “Faith and Order”, “Fé e Constituição” para constituir, em 1948, em Amsterdam, o Conselho Mundial de Igrejas.

Em 1952, foi a vez de o missionário luterano, teólogo, músico e médico da Alsácia, Albert Schweitzer (1875-1975) receber o Nobel da Paz, por incrementar a fraternidade entre os povos, a partir do seu hospital para leprosos no Gabão, a antiga África Ocidental Francesa.

A corajosa atuação não-violenta do Pastor batista, Martin Luther King (1929-1968), em favor dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, valeu-lhe o Nobel da Paz em 1964, mas também a vingança dos intolerantes que o assassinaram, em 1968, em razão dessa sua luta.
Nas últimas décadas do século passado, ao mesmo tempo em que se multiplicavam os conflitos e guerras no terceiro mundo, surgiram pessoas e organizações que se tornaram construtores de paz, sob inspiração de sua fé religiosa.

Em 1979, pela primeira vez, uma mulher recebeu o Nobel da Paz: Madre Tereza de Calcutá (1910-1997), fundadora da Ordem das Missionárias da Caridade, hoje espalhada pelo mundo todo. Religiosa, de origem albanesa, dedicou toda sua vida aos intocáveis, leprosos, coxos, paralíticos e aos pobres, moradores de rua na Índia.


No ano seguinte, em 1980, o prêmio veio para a América Latina, para o jovem escultor e arquiteto, músico e pintor, Adolfo Pérez Esquivel (1931), fundador do SERPAJ (Servicio de Justicia y Paz), em razão de sua corajosa e intransigente defesa dos direitos humanos, em oposição ao regime militar argentino que, nos anos de chumbo da ditadura, foi responsável por mais de 30.000 pessoas desaparecidas, grande parte cruelmente torturadas, antes de serem assassinadas pelos órgãos de repressão e seus corpos jogados no mar ou incinerados.

Em 1984, foi a vez de o primeiro arcebispo anglicano negro da África do Sul, Desmond Tutu, nascido em 1931, receber o Nobel pela sua luta em favor dos direitos humanos e civis da maioria negra, contra a discriminação racial do apartheid.

O Dalai Lama, chefe religioso do budismo Tibetano, nascido em 1935, recebeu o Nobel da Paz, em 1989, pela sua incansável campanha não violenta de denúncia contra a ocupação política e militar do seu país, por parte da China.

Em 1992, a catequista da diocese do Quiche guatemalteco e ativista dos direitos indígenas, Rigoberta Menchú, recebeu o Nobel da Paz.

Em 1996, o Nobel da Paz foi conferido ao bispo católico de Dili no Timor Leste, Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, junto com José Ramos Horta, por sua luta não-violenta em favor da independência do Timor Leste, ocupado pela Indonésia logo após a saída do governo colonial português em novembro de 1975.

Em 1998, o Nobel foi conferido a John Hume, líder católico da Irlanda do Norte e a David Trimble, líder protestante do Ulster, pelo acordo de paz, assinado a 10 de abril de 1998, colocando fim a 30 anos de guerra civil na Irlanda do Norte.

Em 2000, o prêmio Nobel foi para o militante cristão e ativista dos direitos humanos e civis na Coréia do Sul, Kim Dae Jung, que se opôs às sucessivas ditaduras de partido único que dirigiram a Coréia, desde 1954. Tornando-se presidente do seu país, Kim empenhou-se também na reconciliação entre as duas Coréias, separadas desde o armistício que se seguiu à guerra de 1950 a 1953. Foi o primeiro presidente a encontrar-se com seu colega do norte, King Jong II, e a abrir as fronteiras para que famílias, de ambos os lados, separadas desde a guerra, pudessem se reencontrar.


4 CONCLUSÃO

O caminho da construção da paz se dá na comunhão do fundamento essencial de uma religião que realmente religa, o amor. Isso compreende o respeito à individualidade, às diferenças religiosas e culturais e à liberdade de expressão. Compreende também em se ter a vida e o ser-humano acima dos dogmas fundamentalistas. Compreende a disposição de fazer o bem sem olhar a quem, nem olhar o quanto isso possa gerar ônus ou bônus para si, de forma abnegada. E por falar nisso, abnegação, alguém sabe o que quer dizer?


5 REFERÊNCIAS

BEOZZO, José Oscar http://latinoamericana.org/2003/textos/portugues/Beozzo.htmBOFF, Leonardo. Paixão de Cristo, paixão do mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.

Pegar a Deus pela Palavra?

Dentre as “formulas de sucesso” na oração, uma das mais usadas é “pegar a Deus pela Palavra” ou “reivindicar na Palavra”. Quem usa dessa “fórmula”, justifica-a dizendo que toda promessa de Deus contida na Bíblia, Deus não as pode negar aos seus filhos. Entretanto, esquecem-se de pelo menos uma coisa muito importante, a saber, a Bíblia é a palavra de Deus ao homem e não do homem a Deus. Ou seja, Deus não revelou sua Palavra para que nós o fizéssemos lembrar dela. Deus revelou sua Palavra, sim, para que nós a conhecêssemos e não esquecêssemos dela. Nós é que somos falhos, esquecidos, homens de pouca fé, etc., não Deus. Somos nós que precisamos da Sua Palavra, não Ele. Quando Deus se revelou, em sua Palavra, como o “Deus que Sara”, não o fez para prender-se a responsabilidade de ter que curar segundo o nosso querer. Fez, sim, para que nós pudéssemos crer, esperar e confiar na cura que nos vem de acordo com a Sua perfeita vontade[1]. Alguns replicam, citando Mateus 8:13, onde Jesus diz a um centurião: “seja feito conforme a tua fé”. Ora, não estou negando isso, pois se Jesus quiser fazer conforme a minha fé, posso ter a confiança de que minha fé está bem aplicada e meu pedido é bom, então, que “seja feita a Sua vontade”. Afinal, Jesus não faria conforme a vontade do centurião, se a vontade do centurião não fosse, antes, a vontade de Deus[2], que é boa. Eles também usam versículos como Marcos 5:34, onde Jesus fala: “a tua fé te salvou”. Com estes, argumentam que a ação de Deus origina-se a partir da fé do homem. O que eles esquecem é que a fé é dom de Deus[3]. Assim, já não é a nossa fé que move a Deus, mas Deus é que move a nossa fé. Então se temos fé genuína, não precisamos reivindicar de Deus, pois não teríamos essa mesma fé se Ele já não estive trabalhando. Nossa fé é a prova de que Deus começou a agir, faz muito tempo[4]. Reivindicar o que, então? Não há como reivindicar que acorde mais cedo, aquele que não dorme nem cochila[5]; nem exigir mais cuidado daquele que nos cuida 24 horas por dia de eternidade a eternidade[6].

Além disso, o único relato bíblico de alguém que tenha tentado pegar Jesus pela palavra foi o diabo, ao que Jesus lhe respondeu: “Não tentarás o Senhor Teu Deus”[7]. Portanto, “pegar a Deus pela Palavra” ou “reivindicar na Palavra” é um princípio é diabólico, é tentar a Deus, é cálice de demônios.

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1. João 5:21 – “Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer”.
2. Tiago 4:3 – “pedis e não recebeis, porque pedis mal”.
3. I Coríntios 12:8,9 – “Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé”.
4. Mateus 6:7,8 – “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais”.
5. Salmos121:4 – “É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel”.
6. Salmos 103:17 – “Mas a misericórdia do SENHOR é de eternidade a eternidade”; Salmos 90:1 – “Senhor, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração”.
7. Mateus 4:7 – “Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus”.

Provar a Deus?

“Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram e pereceram pelas mordeduras das serpentes” (I Coríntios 10:9).

No texto acima, o Apóstolo Paulo faz referência ao povo de Israel, conforme descrito no livro de Números 21:4-6 – “Então, partiram do monte Hor, pelo caminho do mar Vermelho, a rodear a terra de Edom, porém o povo se tornou impaciente no caminho. E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há pão nem água? E a nossa alma tem fastio deste pão vil. Então, o SENHOR mandou entre o povo serpentes abrasadoras, que mordiam o povo; e morreram muitos do povo de Israel”.

O primeiro pecado que nos vem à mente, ao lermos este texto, é o pecado da murmuração. Todavia, quando Paulo citou este fato, ele não estava se referindo ao pecado de murmuração. Isso porque a murmuração, neste caso, tinha um objetivo, o de tentar a Deus. Queriam, por meio de murmurações, constranger Moisés e seu Deus. Eles achavam que constrangendo-os, Moisés oraria a Deus que, por sua vez, responderia de forma consoante ao desejo popular. O que eles não sabiam é que este caminho lhes geraria somente morte.

Se o povo foi impaciente naquele tempo, quanto mais nós, nos dias de hoje! Num tempo em que tudo é infinitamente mais rápido, em que temos comunicação áudio-visual em tempo real com qualquer parte do planeta, transportes velocíssimos, soluções rápidas, tudo o que não se quer ouvir falar é sobre “paciência” e “espera”. É exatamente nesse ponto em que os que se dizem “igreja de Cristo” mais bebem o cálice dos demônios. Assim como no mundo secular, os crentes vivem querendo tudo “pra ontem”. A partir daí, surgem inúmeras fórmulas de sucesso, campanhas milagrosas, sacrifícios poderosos que prometem sucesso rápido para o aqui-e-agora-se-possível-ontem. No afã da conquista do “milagre” querem “provar a Deus”, “colocar Deus contra a parede”, “pegar Deus pela Palavra”, “ordenar”, “reivindicar”, “se revoltar”, “exigir”, “provocar o milagre”. Assenhoriam-se de Deus, tornam-O seu servo. Vale tudo pela “bênção”, só não dá pra esperar.

O que eles não se dão conta é que a fé só se prova na esperança, pois ninguém espera pelo que não crê. Quando nos negamos a esperar em Deus, negamos a fé e assumimos, logo, o caráter de reivindicadores, como se Deus nos devesse alguma coisa, ou como se tivéssemos, em nós mesmos, algum mérito que não adviesse unicamente da graça de Cristo. E se pela graça de Cristo é que somos bem-aventurados, não pode, então, ser pelo mérito humano, pois se fosse por mérito humano, a bênção divina já não seria graça, e sim, “débito” de Cristo. O grande mal é que não confiamos em Deus o suficiente para descansarmos nEle. Nossa tendência é pensar que somente nós sabemos o que é melhor para nós mesmos. Então, por vezes, ainda que inconscientemente, oramos a Deus para que “seja feita a sua vontade, contanto que a sua vontade seja exatamente igual a nossa”. O pior é que, muitas vezes, sequer queremos saber qual a vontade de Deus, e de forma alguma aceitamos nos sujeitar a ela, pois temos medo do que ela pode nos revelar. Isso porque, realmente, não confiamos em Deus. E se não confiamos em Deus, resta-nos apenas confiar nas “teologias terrenas”[1] daqueles que querem condicionar Deus as suas próprias vontades carnais. O único problema é que nessas “teologias terrenas” não há vida alguma.

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1. Sobre “teologia da terra”, recomendo a leitura do livro “Enigma da graça” de Caio Fábio.


“Então, um dos doze, chamado Judas Iscariotes, indo ter com os principais sacerdotes, propôs: Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? E pagaram-lhe trinta moedas de prata” (Mateus 26:14-15).

Judas é o maior exemplo de quem não soube esperar em Deus, e não soube esperar, simplesmente porque não entendeu o que era o Reino de Cristo. Antes de atirarmos pedras em Judas (o que é desnecessário, já que ele morreu arrebentado entre pedras[1]), precisamos compreender o que levou Judas a trair Jesus.

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1. Atos 1:18 – “Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniqüidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram”



Judas não traiu Jesus por dinheiro


“Então, um dos doze, chamado Judas Iscariotes, indo ter com os principais sacerdotes, propôs: Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? E pagaram-lhe trinta moedas de prata”
(Mateus 26:14-15).

Observe que Judas não impôs nada, apenas se comprometeu a entregar Jesus por qualquer coisa que os sacerdotes quisessem lhe dar. Judas não estava interessado naquele dinheiro. Uma moeda de prata, ou uma dracma, como era chamada, era uma moeda grega, e tinha quase o mesmo valor de um denário romano. O Denário, algumas vezes traduzido como dinheiro, era a principal moeda romana de prata, geralmente, era o salário de um dia de trabalho de um homem[1]. Logo, Judas recebeu o equivalente a um mês de trabalho. Ora! Que falta de ambição a de Judas! Entregar o Filho de Deus por um salário mínimo! Definitivamente Judas não traiu Jesus por dinheiro, pois certamente lucrava muito mais roubando da bolsa de Jesus[2], que era abonada pelos bens de mulheres generosas[3], do que lucrou entregando-o aos sacerdotes.

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1. Dicionário Bíblico Universal, Buckland. São Paulo, SP. Editora Vida, 2000.
2. João 12:6 – “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava”.
3. Lucas 8:2-3 – “e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens”.


Para entendermos o porquê da traição de Judas, precisamos compreender o contexto político da época. Veja o relato de Coleman[1]:

Os judeus aguardavam ansiosamente um libertador que restauraria a nação aos dias de glória vividos quando dos reinados de Davi e Salomão. Desde então já se havia passado mil anos, e eles tinham enfrentado divisões, exílio e ocupações. Mas muitos aguardavam firmemente o cumprimento das promessas das escrituras, esperando o Messias com ansiedade. (...) A esperança da vinda do Messias nunca estivera mais aguçada do que na época em que Jesus esteve na terra. E houve pelo menos uma ocasião em que o povo quis agarrá-lo a força e coroa-lo rei (João 6:16).

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1. Coleman, William. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. Belo Horizonte, MG. Editora Betânia, 1991.


Assim como os outros judeus, Judas desejava a restauração do governo a Israel. Ao ver a fama de Jesus e o grande número de pessoas que o seguiam, Judas não teve dúvida de que Jesus poderia ser coroado Rei, então se viu envolvido pelo mesmo sentimento que muitos, ainda hoje e principalmente hoje, se envolvem: o desejo pelo poder, ainda que por meio de outrem. Este desejo tem manchado a igreja em sua estrutura eclesiástica, pois historicamente, Igreja e Estado nunca foi uma boa mistura. Como prova disto há muitos casos, mas por hora basta lembrar que a grande vergonha do catolicismo – a “Santa Inquisição” – só foi possível por causa de seu poder político; Também Calvino, se não tivesse misturado o seu ministério à política, em Genebra, não teria cometido a maior vergonha de sua carreira, condenando Michael Servetus a ser queimado na fogueira, no dia 27 de outubro de 1553, sob acusação de propagar heresia1. Nesse entremeio, de tempos em tempos surgem novas “fórmulas mágicas” de conversão em massa que ainda que, a princípio seja bem intencionado, ao final, o interesse pelas massas, torna-se estritamente político. E nesse momento já não há limites para os intentos do homem, tal qual foi em Babel2. Judas também havia perdido o sentido ministerial pelo qual Cristo o havia chamado, estava demonizado – no mais literal sentido da palavra “elilin”, pois estava “oco”, ou seja, completamente vazio da luz de Cristo. Seu intento, agora, era meramente político3. Pensava que se entregasse Jesus aos seus opositores, diante da ameaça de morte, certamente Jesus se veria pressionado, conclamaria o povo para si e instituiria seu reino sobre Israel. O arrependimento de Judas se deu, exatamente, porque nada do que ele esperava aconteceu, pois Jesus não é do tipo que sede a pressões.

A “teologia” dos pregadores que afirmam que Deus nos responde quando o pressionamos pondo-lhe a prova, é falha, pois é humana, é teologia de Judas, portanto, é diabólica4. Quem dela bebe, bebe do cálice de demônios.

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1. Ronald Wallace. Calvino, Genebra e a reforma. 2003, Editora Cultura Cristã.
2. Gênesis 11:6-8 – “e o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade”.
3. Neste aspecto, os intentos que permeiam os homens de hoje é pior que o de Judas, pois, ao menos, o de Judas era patriótico; o dos homens de hoje é egocêntrico.
4. João 6:70 – “Replicou-lhes Jesus: Não vos escolhi eu em número de doze? Contudo, um de vós é diabo”.

A MESA DOS DEMÔNIOS

“Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo” (I Coríntios 10:1-4).

No capítulo antecedente ao que trata da Santa Ceia, Paulo aborda a unidade da fonte espiritual servida ao povo de Israel em sua peregrinação pelo deserto e à igreja em sua peregrinação na terra. Israel, pelo sacrifício de cordeiros, manifestava sua fé no Cristo que viria remir seu povo; a Igreja, pelo sacramento da Santa Ceia, manifesta a fé no mesmo Cristo que já a remiu. Os sacrifícios de cordeiros apontavam para o futuro, o sacramento da Santa Ceia é realizado em memória, porém ambos apontam em uma só direção, Jesus Cristo. Assim, a igreja participa do mesmo manjar servido ao povo de Israel.


“Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto. Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (I Coríntios 10:5-6).

A graça de Cristo nos livra da condenação, mas não nos livra de errarmos, nem nos torna “super crentes” enquanto peregrinamos aqui. Todavia, viver na graça não é viver na inconsciência do pecado, fazendo pouco caso da santidade sob o argumento de que Cristo pagou toda a nossa dívida. Viver na graça é, sim, viver a consciência de que somos pecadores e por esse motivo buscamos e esperamos com desejo ardente a força santificadora daquele em quem, somente nEle e para Ele, temos justificação. Em outras palavras, viver na graça é saber que não somos “superes” nem “subes”, que somos apenas quem somos, sem ter que nos mostrarmos diferentes de nós mesmos, que somos capazes de às vezes acertar outras vezes errar, que somos dependentes da graça de Deus, e que necessitamos de vigilância e oração. E quando se fala de vigiar e orar, logo se pensa em amarrar, neutralizar, subjugar e derrotar todas as forças que nos rodeiam. O problema é que as armas da nossa milícia não deveriam estar apontadas para o exterior, e sim, para o nosso interior, pois é exatamente do nosso coração que procedem todos os males que nos rodeiam1. Viver atacando o exterior é submeter-se a um tratamento meramente sintomático sem qualquer perspectiva de cura, deixando agravar, a cada dia, o “quadro clínico” da alma. Paulo, no versículo acima, nos chama a uma compreensão de nossa condição decaída e exorta-nos a não confiarmos em nossos próprios intentos. Não temos nada, em nós mesmos, que nos faça melhor do que aqueles israelitas que desagradaram a Deus. Eles comeram do mesmo manjar que nós comemos e beberam da mesma água que sai da mesma rocha de onde saciamos nossa sede. Ainda assim eles caíram e nós... bem, nós não somos melhores que eles, mas podemos aprender com seus exemplos. Afinal, diz o ditado: “o inteligente aprende com seus próprios erros, o sábio aprende com o erro dos outros”.

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1. Mateus 15:19 – “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias”.


“Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil” (I Coríntios 10:7-8).

O Apóstolo Paulo fez uso de um ditado popular para dar um conceito apropriado ao que era ser idólatra. Correlacionando o ditado ao contexto de I Coríntios, capítulo 10, entendemos que ao citar “o povo assentou-se para comer e beber”, ele estava se referindo a participar da mesa do Senhor, enquanto a expressão “levantou-se”, que se opõe à “assentou-se”, indica que o “divertimento” do povo estava em oposição à mesa do Senhor. Isso porque a idolatria sempre esteve relacionada à imoralidade sexual.

Sobre isso, escreveu William Coleman1: “As religiões pagãs das culturas vizinhas, que várias vezes contaminaram os israelitas, costumavam promover algum tipo de prostituição cultual, que geralmente estava associada com o conceito de fertilidade. Quando um agricultor queria obter colheitas mais fartas ou rebanhos mais produtivos, precisava recorrer aos deuses da fertilidade. Se uma mulher desejasse ter filhos, e não os tinha, teria que fazer o mesmo. E uma das formas de agradar a esses deuses era manter relações sexuais com as prostitutas ou prostitutos que se encontravam no templo para esse fim. Embora isso possa parecer muito estranho, o fato é que essa prática era bastante comum, e durou até os tempos do Novo Testamento. E muitas vezes ela foi associada ao culto de Jeová”

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1. William Coleman. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. Belo Horizonte, MG. Editora Betânia, 1991.


Há uma forte relação entre idolatria e prostituição, pois idolatria é prostituição da fé no Deus único e verdadeiro, enquanto a prostituição é a idolatrização da carne. Ambos estão em contraste com relação a assentar-se à mesa do Senhor, pois Paulo denomina estas coisas como “mesa dos demônios”. Todavia, idolatria e prostituição não estão ligadas unicamente à adoração de imagens e imoralidade sexual. A infeliz verdade é que bebe do cálice dos demônios qualquer pessoa que prostitui a fé pela idolatrização do sexo, do dinheiro, do status, da fama, da aparência, do púlpito, do cargo político, etc., etc., etc. E é por isso que encontramos tantos imorais-idólatras – bebendo do cálice dos demônios – nos clubes, na TV, nos altares, nos púlpitos de igrejas, nos corais, nas câmaras e assembléias, entre outros. Discursam o que não crêem, crêem no que não discursam, representam ser quem não são, maquiam o evangelho de Cristo conforme seus próprios interesses, tudo em nome da popularidade. Pois para estes, pouca importa o que diz a Palavra de Deus ou até mesmo a própria consciência, pois a única “verdade” que lhes importa é o conceito da pseudo-verdade de uma maioria absolutamente superficial, viventes de um mundo em que a única verdade real é que toda pessoa tem seu preço.

Não ser idólatra é, realmente, muito mais difícil do que comumente se pensa. Contudo, “não vos façais idólatras”. Paulo não disse para que não deixássemos alguém ou alguma coisa nos tornar idolatras, disse sim, para não nos fazermos idolatras. Isso porque a idolatria não é gerada no suposto ídolo, mas sim no coração de quem o venera. Afinal, um ídolo não tem valor algum1, mas o coração humano, com seu poder de fazer-se idólatra, é capaz de venerar imagens, cristais, ratos, gatos, vacas, árvores, aves, pessoas, posses, dinheiro, sexo, fazendo-os seus deuses – falsos deuses ou demônios, como queiram chamar.

“Portanto, meus amados, fugi da idolatria. (...)Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (I Coríntios 10:14,21).

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1. Jeremias 10:5 – “Os ídolos são como um espantalho em pepinal e não podem falar; necessitam de quem os leve, porquanto não podem andar. Não tenhais receio deles, pois não podem fazer mal, e não está neles o fazer o bem”.