segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Religião e Construção da paz

Por Julio Zamparetti Fernandes


RESUMO

Inegavelmente, a religião exerce influência fundamental na construção das relações entre indivíduos e povos. Esse fato pode ser constatado em todas as épocas da história da humanidade. Ela que foi constituída para unir os indivíduos em torno da paz e comunhão, tem sido corriqueiramente alvo de grandes e pequenos conflitos. Em meio a este conturbado cenário, surgem de tempos em tempos líderes que se dispõe a suplantar os obstáculos das diferenças dogmáticas em prol daquilo que é o teor de uma verdadeira mensagem religiosa, desafiando-nos a comungar o que de mais valioso pode haver na religião, constrangendo-nos a pregar e viver a paz e o amor.

Palavras-Chave: Diferença; Caridade; Paz.


1 INTRODUÇÃO

Num mundo tão partidarista e ao mesmo tempo tão libertário quanto ao idealismo e sua multiforme expressão, não é de se admirar que tamanhas diferenças sejam estabelecidas, por imposição ou naturalmente, entre indivíduos, grupos, povos, etnias e religiões. E que maravilha são as diferenças! Ao menos aquelas que naturalmente se moldam por ocasião da busca do bem comum e defesa da vida. Seria muito chato se todos fossem iguais. Tudo seria tão previsível! Tão mono-colorido! Tão robotizado!

Mas afinal, o que tem dado errado? Por que os homens têm tanta dificuldade em aceitar o diferente? Por que desejam tanto a igualdade e em nome da igualdade excluem semelhantes, ao mesmo tempo em que buscam ser diferenciados? Parece que o que se deseja realmente expressa-se assim:
- Sejamos todos iguais... Iguais a mim.
- Tenhamos todos um único caminho... Aquele que eu estabeleci.
- Sonhemos todos juntos... O meu sonho.
- Eu te aceito como tu és... Desde que sejas assim.
- “Seja feita a vossa vontade”... Conquanto vossa vontade seja igual a minha.

Abnegação, alguém sabe o que quer dizer? A resposta seria mais fácil se a pergunta fosse a respeito de metas pessoais, prazer, satisfação, realização, sonhos, projeto de vida. Mas, abnegação... abnegação, realmente está em desuso e, conforme os princípios de Darwin, enfadada a extinção. Tudo porque, quando crianças, os homens acreditam que o universo gira em torno deles. Os pais são seus, a casa, as ruas, a terra e as estrelas são todos seus e feitos para si. Crescem, amadurecem, envelhecem, mas não aprendem. Não aprendem que a vida não tem um fim em si mesma; que o sentido de viver é servir.


2 CONFLITOS RELIGIOSOS

Muitos são, hoje, os seguimentos religiosos existentes no Brasil e no mundo. Tão grande quanto o número de religiões são os seus conflitos, frutos da intolerância, da falta de caridade, do fundamentalismo e de interesse econômicos. Partindo desse pressuposto, percebe-se que, ao contrário do que sugere a etimologia da palavra “religião”, que deriva-se do latin “religare”, a religião, muitas vezes, ao invés de religar, tem sim desligado o indivíduo de seu próximo e de Deus.

No geral, as causas destes confrontos são complexas, envolvendo jogos estratégicos na geopolítica, veladas disputas entre antigas potências coloniais, disputa entre grandes companhias pelo acesso a diamantes, petróleo, gás, urânio ou outros materiais estratégicos, além de razões históricas, econômicas, políticas e sociais, raciais e, cada vez mais, culturais. É inegável que muitos destes conflitos vêm atravessados igualmente por uma vertente religiosa, acionada ao sabor dos interesses em jogo. (BEOZZO, 2003)

No Brasil, ainda que seus conflitos não tomem certas proporções semelhentes as que ocorrem em certos paises da Europa e Oriente médio, ainda assim, podemos sentir os seus reflexos negativos pela falta de cooperação mútua que poderia, realmente, fazer muita diferença para a constituição da paz e do bem estar de nosso povo.


2.1 INTOLERÂNCIA

Considero que mais importante que o acesso à igualdade, que deve ser disponibilizado a todo cidadão, é o direito a ser aceito e respeitado quando se é diferente por opção ou predeterminação geográfica, social, sexual ou racial. Ou seja, antes de se impor sobre um indivíduo, que este seja conforme o padrão estabelecido por determinado grupo, deve-se saber do valor deste determinado indivíduo e sua importância sobre qualquer grupo.

Indivíduos não foram feitos para as religiões, as religiões é que foram feitas para os indivíduos, para ampara-los espiritualmente, conforta-los e acolhe-los sem discriminação. Para a verdadeira religião, não importa que venha a ela apenas os sãos, mas principalmente os enfermos, excluídos e discriminados.

Estamos familiarizados com um Jesus Cristo, Filho eterno de Deus, Senhor do universo, Salvador do mundo, primogênito de toda criação e primeiro ressuscitado entre muitos irmãos. Estes títulos de magnificação ocultam as origens humildes, a trajetória histórica do verdadeiro Jesus que andou entre o povo, perambulando pelos vilarejos da Galiléia e que morreu miseravelmente fora da cidade de Jerusalém (BOFF, 1978 p. 21).


2.2 FALTA DE CARIDADE

A grande contradição deste tema se dá, justamente, ao tratarmos da falta de caridade entre aqueles que subsistem através da propagação da caridade. Ou seja, dependem do discurso da caridade para a sua subsistência, porém efetivamente não a buscam na convivência. A caridade é o amor que leva alguém a realizar boas obras sem esperar absolutamente nada em troca. Quando tratamos de caridade estamos falando de um amor verdadeiro, ativo ainda que não correspondido. Todas as religiões subsistem-se dessa mensagem. Vive-la, não seria a solução para todos os conflitos?

O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.O amor jamais acaba. (BÍBLIA, N.T. 1 Coríntios 13:4-8a)


2.3 FUNDAMENTALISMO

O Fundamentalismo religioso está presente em todas as religiões. Seus dogmas estão, para seus adéptos, acima de qualquer ciência, lógica, bom censo e até mesmo acima da própria vida humana. Apesar de que quando nos referimos ao fundamentalismo logo pensamos em grupos extremistas, o fundamentalismo não se restrinje a estes. Muitas seitas religiosas ou mesmo indivíduos, cada qual em sua devida dimensão, também vivem o fundamentalismo quando discriminam outro indivíduo ou grupo por não crerem ou pensarem conforme seus fundamentos.


2.4 INTERESSES ECONÔMICOS

Outro fator de conflito em que a religião está ataviada é a questão econômica. Existe muita coisa em jogo quando o assunto é a economia religiosa. Nele está envolvido toda uma questão de força política e poderio econômico do qual ninguém se dipõe a abrir mão. Assuntos de cunho relativo a fé são discutidos e dirigidos sob o prisma político-monetário, maquiavelicamente, onde o que realmente interessa é a manutenção do poder. É em nome desse poder que alianças são feitas ou desfeitas e o amigo de hoje torna-se inimigo, amanhã.


3 BEM-AVENTURADOS OS CONSTRUTORES DA PAZ

No conturbado cenário das últimas décadas, há um claro reconhecimento, por parte da sociedade internacional, de que homens e mulheres de fé, pertencentes a diferentes credos e comunidades religiosas, vêm dando uma importante contribuição para os esforços em favor da justiça e da paz mundial.

Em 1930, o arcebispo luterano de Upsala na Suécia, Nathan Söderblom (1886-1931), primaz da igreja local recebeu o prêmio Nobel da Paz por suas iniciativas em favor da superação dos conflitos internacionais, a partir da cooperação e da busca da reconciliação e da unidade entre as igrejas cristãs. Foi Söderblom quem convocou em Estocolomo, em 1925, a primeira conferência internacional do movimento “Life and Work”, ”Vida e Ação” que se fundiu depois com o movimento “Faith and Order”, “Fé e Constituição” para constituir, em 1948, em Amsterdam, o Conselho Mundial de Igrejas.

Em 1952, foi a vez de o missionário luterano, teólogo, músico e médico da Alsácia, Albert Schweitzer (1875-1975) receber o Nobel da Paz, por incrementar a fraternidade entre os povos, a partir do seu hospital para leprosos no Gabão, a antiga África Ocidental Francesa.

A corajosa atuação não-violenta do Pastor batista, Martin Luther King (1929-1968), em favor dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, valeu-lhe o Nobel da Paz em 1964, mas também a vingança dos intolerantes que o assassinaram, em 1968, em razão dessa sua luta.
Nas últimas décadas do século passado, ao mesmo tempo em que se multiplicavam os conflitos e guerras no terceiro mundo, surgiram pessoas e organizações que se tornaram construtores de paz, sob inspiração de sua fé religiosa.

Em 1979, pela primeira vez, uma mulher recebeu o Nobel da Paz: Madre Tereza de Calcutá (1910-1997), fundadora da Ordem das Missionárias da Caridade, hoje espalhada pelo mundo todo. Religiosa, de origem albanesa, dedicou toda sua vida aos intocáveis, leprosos, coxos, paralíticos e aos pobres, moradores de rua na Índia.


No ano seguinte, em 1980, o prêmio veio para a América Latina, para o jovem escultor e arquiteto, músico e pintor, Adolfo Pérez Esquivel (1931), fundador do SERPAJ (Servicio de Justicia y Paz), em razão de sua corajosa e intransigente defesa dos direitos humanos, em oposição ao regime militar argentino que, nos anos de chumbo da ditadura, foi responsável por mais de 30.000 pessoas desaparecidas, grande parte cruelmente torturadas, antes de serem assassinadas pelos órgãos de repressão e seus corpos jogados no mar ou incinerados.

Em 1984, foi a vez de o primeiro arcebispo anglicano negro da África do Sul, Desmond Tutu, nascido em 1931, receber o Nobel pela sua luta em favor dos direitos humanos e civis da maioria negra, contra a discriminação racial do apartheid.

O Dalai Lama, chefe religioso do budismo Tibetano, nascido em 1935, recebeu o Nobel da Paz, em 1989, pela sua incansável campanha não violenta de denúncia contra a ocupação política e militar do seu país, por parte da China.

Em 1992, a catequista da diocese do Quiche guatemalteco e ativista dos direitos indígenas, Rigoberta Menchú, recebeu o Nobel da Paz.

Em 1996, o Nobel da Paz foi conferido ao bispo católico de Dili no Timor Leste, Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, junto com José Ramos Horta, por sua luta não-violenta em favor da independência do Timor Leste, ocupado pela Indonésia logo após a saída do governo colonial português em novembro de 1975.

Em 1998, o Nobel foi conferido a John Hume, líder católico da Irlanda do Norte e a David Trimble, líder protestante do Ulster, pelo acordo de paz, assinado a 10 de abril de 1998, colocando fim a 30 anos de guerra civil na Irlanda do Norte.

Em 2000, o prêmio Nobel foi para o militante cristão e ativista dos direitos humanos e civis na Coréia do Sul, Kim Dae Jung, que se opôs às sucessivas ditaduras de partido único que dirigiram a Coréia, desde 1954. Tornando-se presidente do seu país, Kim empenhou-se também na reconciliação entre as duas Coréias, separadas desde o armistício que se seguiu à guerra de 1950 a 1953. Foi o primeiro presidente a encontrar-se com seu colega do norte, King Jong II, e a abrir as fronteiras para que famílias, de ambos os lados, separadas desde a guerra, pudessem se reencontrar.


4 CONCLUSÃO

O caminho da construção da paz se dá na comunhão do fundamento essencial de uma religião que realmente religa, o amor. Isso compreende o respeito à individualidade, às diferenças religiosas e culturais e à liberdade de expressão. Compreende também em se ter a vida e o ser-humano acima dos dogmas fundamentalistas. Compreende a disposição de fazer o bem sem olhar a quem, nem olhar o quanto isso possa gerar ônus ou bônus para si, de forma abnegada. E por falar nisso, abnegação, alguém sabe o que quer dizer?


5 REFERÊNCIAS

BEOZZO, José Oscar http://latinoamericana.org/2003/textos/portugues/Beozzo.htmBOFF, Leonardo. Paixão de Cristo, paixão do mundo. Petrópolis: Vozes, 1978.

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