segunda-feira, 3 de setembro de 2007

A MESA DOS DEMÔNIOS

“Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo” (I Coríntios 10:1-4).

No capítulo antecedente ao que trata da Santa Ceia, Paulo aborda a unidade da fonte espiritual servida ao povo de Israel em sua peregrinação pelo deserto e à igreja em sua peregrinação na terra. Israel, pelo sacrifício de cordeiros, manifestava sua fé no Cristo que viria remir seu povo; a Igreja, pelo sacramento da Santa Ceia, manifesta a fé no mesmo Cristo que já a remiu. Os sacrifícios de cordeiros apontavam para o futuro, o sacramento da Santa Ceia é realizado em memória, porém ambos apontam em uma só direção, Jesus Cristo. Assim, a igreja participa do mesmo manjar servido ao povo de Israel.


“Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, razão por que ficaram prostrados no deserto. Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (I Coríntios 10:5-6).

A graça de Cristo nos livra da condenação, mas não nos livra de errarmos, nem nos torna “super crentes” enquanto peregrinamos aqui. Todavia, viver na graça não é viver na inconsciência do pecado, fazendo pouco caso da santidade sob o argumento de que Cristo pagou toda a nossa dívida. Viver na graça é, sim, viver a consciência de que somos pecadores e por esse motivo buscamos e esperamos com desejo ardente a força santificadora daquele em quem, somente nEle e para Ele, temos justificação. Em outras palavras, viver na graça é saber que não somos “superes” nem “subes”, que somos apenas quem somos, sem ter que nos mostrarmos diferentes de nós mesmos, que somos capazes de às vezes acertar outras vezes errar, que somos dependentes da graça de Deus, e que necessitamos de vigilância e oração. E quando se fala de vigiar e orar, logo se pensa em amarrar, neutralizar, subjugar e derrotar todas as forças que nos rodeiam. O problema é que as armas da nossa milícia não deveriam estar apontadas para o exterior, e sim, para o nosso interior, pois é exatamente do nosso coração que procedem todos os males que nos rodeiam1. Viver atacando o exterior é submeter-se a um tratamento meramente sintomático sem qualquer perspectiva de cura, deixando agravar, a cada dia, o “quadro clínico” da alma. Paulo, no versículo acima, nos chama a uma compreensão de nossa condição decaída e exorta-nos a não confiarmos em nossos próprios intentos. Não temos nada, em nós mesmos, que nos faça melhor do que aqueles israelitas que desagradaram a Deus. Eles comeram do mesmo manjar que nós comemos e beberam da mesma água que sai da mesma rocha de onde saciamos nossa sede. Ainda assim eles caíram e nós... bem, nós não somos melhores que eles, mas podemos aprender com seus exemplos. Afinal, diz o ditado: “o inteligente aprende com seus próprios erros, o sábio aprende com o erro dos outros”.

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1. Mateus 15:19 – “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias”.


“Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil” (I Coríntios 10:7-8).

O Apóstolo Paulo fez uso de um ditado popular para dar um conceito apropriado ao que era ser idólatra. Correlacionando o ditado ao contexto de I Coríntios, capítulo 10, entendemos que ao citar “o povo assentou-se para comer e beber”, ele estava se referindo a participar da mesa do Senhor, enquanto a expressão “levantou-se”, que se opõe à “assentou-se”, indica que o “divertimento” do povo estava em oposição à mesa do Senhor. Isso porque a idolatria sempre esteve relacionada à imoralidade sexual.

Sobre isso, escreveu William Coleman1: “As religiões pagãs das culturas vizinhas, que várias vezes contaminaram os israelitas, costumavam promover algum tipo de prostituição cultual, que geralmente estava associada com o conceito de fertilidade. Quando um agricultor queria obter colheitas mais fartas ou rebanhos mais produtivos, precisava recorrer aos deuses da fertilidade. Se uma mulher desejasse ter filhos, e não os tinha, teria que fazer o mesmo. E uma das formas de agradar a esses deuses era manter relações sexuais com as prostitutas ou prostitutos que se encontravam no templo para esse fim. Embora isso possa parecer muito estranho, o fato é que essa prática era bastante comum, e durou até os tempos do Novo Testamento. E muitas vezes ela foi associada ao culto de Jeová”

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1. William Coleman. Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos. Belo Horizonte, MG. Editora Betânia, 1991.


Há uma forte relação entre idolatria e prostituição, pois idolatria é prostituição da fé no Deus único e verdadeiro, enquanto a prostituição é a idolatrização da carne. Ambos estão em contraste com relação a assentar-se à mesa do Senhor, pois Paulo denomina estas coisas como “mesa dos demônios”. Todavia, idolatria e prostituição não estão ligadas unicamente à adoração de imagens e imoralidade sexual. A infeliz verdade é que bebe do cálice dos demônios qualquer pessoa que prostitui a fé pela idolatrização do sexo, do dinheiro, do status, da fama, da aparência, do púlpito, do cargo político, etc., etc., etc. E é por isso que encontramos tantos imorais-idólatras – bebendo do cálice dos demônios – nos clubes, na TV, nos altares, nos púlpitos de igrejas, nos corais, nas câmaras e assembléias, entre outros. Discursam o que não crêem, crêem no que não discursam, representam ser quem não são, maquiam o evangelho de Cristo conforme seus próprios interesses, tudo em nome da popularidade. Pois para estes, pouca importa o que diz a Palavra de Deus ou até mesmo a própria consciência, pois a única “verdade” que lhes importa é o conceito da pseudo-verdade de uma maioria absolutamente superficial, viventes de um mundo em que a única verdade real é que toda pessoa tem seu preço.

Não ser idólatra é, realmente, muito mais difícil do que comumente se pensa. Contudo, “não vos façais idólatras”. Paulo não disse para que não deixássemos alguém ou alguma coisa nos tornar idolatras, disse sim, para não nos fazermos idolatras. Isso porque a idolatria não é gerada no suposto ídolo, mas sim no coração de quem o venera. Afinal, um ídolo não tem valor algum1, mas o coração humano, com seu poder de fazer-se idólatra, é capaz de venerar imagens, cristais, ratos, gatos, vacas, árvores, aves, pessoas, posses, dinheiro, sexo, fazendo-os seus deuses – falsos deuses ou demônios, como queiram chamar.

“Portanto, meus amados, fugi da idolatria. (...)Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (I Coríntios 10:14,21).

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1. Jeremias 10:5 – “Os ídolos são como um espantalho em pepinal e não podem falar; necessitam de quem os leve, porquanto não podem andar. Não tenhais receio deles, pois não podem fazer mal, e não está neles o fazer o bem”.

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